Dia “cento e poucos” dessa quarentena maluca e eu aqui, finalmente sentando para falar (ou melhor: escrever) sobre vinhos para o Minestrone.
Tenho tanta coisa para falar que até me perco viajando nos diversos ângulos pelos quais olhar o mundo dos vinhos: as histórias individuais de luta e coragem, as histórias coletivas e culturais que marcam civilizações, a química, a biologia, a psicologia, a filosofia… tudo isso em toda e cada garrafa de vinho.
Mas é melhor começar contando como vim parar aqui e para onde quero ir com essa coluna.
Não cresci tomando micho – o “suco de vinho” que as crianças europeias (e algumas sortudas filhas de seus imigrantes no Sul do Brasil) tomam desde bebês. Não era tradição na minha família, apesar da origem italiana. Ainda: tive o azar de nascer nos anos 1970 – época em que viagens ao exterior eram artigo de ultra luxo e o nacionalismo fomentava a indústria nacional; muito pouco se importava (ideia curiosamente requentada há questão de dias e que agitou os ânimos no mundo dos vinhos: as famigeradas “salva guardas”. Não se preocupe se não chegou a ouvir o burburinho: a iniciativa já foi devidamente esculachada e já é passado. De novo.).
Foi portanto, graças ao Collor e seu ódio às “carroças” em que nos locomovíamos à época, que as barreiras de importação começaram a cair no final dos anos 1980 e tive meu pilequinho debut com vinho importado: o famigerado Liebfraumilch da garrafa azul. Um branco docinho e delícia, de tomar de litros geladinho na beira da piscina e que tive a alegria de revisitar recentemente, já com meu diploma uruguaio de sommelier e certificação WSET 3 embaixo do braço.
Hoje, após muitas excelentes experiências e até alguns (poucos) grand crus e 100 RPs na bagagem, lembro de quanto vinho de qualidade duvidosa já passou pela minha taça.
Teve vinho de garrafão, vinho suave, vinho reservado e até, em ocasiões de comemoração especial, um belo Casillero del Diablo! A grana era curta e o conhecimento sobre o tema inexistente. Eu só sabia que vinho era chique e bebida obrigatória nos jantares românticos e comemorações. E tinha que ser tinto! E pelo amordedels: nacional nem pensar!! O namorado da vez escolhia e eu bebia. Nem sabia que uva era, nome, de onde…
Se o sommelier vinha oferecer os serviços a gente prontamente recusava! Conhecíamos a estratégia: esse garçom metido a besta ia nos oferecer o vinho mais caro da casa e rir disfarçadamente da nossa ignorância! Não, senhor!!! Aplicávamos a infalível regra do Genoveze Invertido -1* e éramos felizes!
Foi pensando nessa guria e em como ela começou a beber vinhos muito melhores e mais interessantes com o mesmo investimento que eu tive vontade de falar sobre vinhos para o mundo.
O ano já era 2014. O país, Uruguai – que além de produtor, é só o maior bebedor de vinho per capta do mundo subdesenvolvido. De lá para cá, muito vinho já passou pela minha taça!
Já não tenho medo do sommelier pois sei que ele é quem melhor conhece os vinhos da carta e vai saber escolher o melhor vinho que meu bolso puder comprar. Também não tenho vergonha de dizer exatamente quanto estou disposta a gastar. Se meu vinho tinto não está na temperatura certa, exijo um balde de gelo – situação perturbadoramente comum em países famosos pela produção e consumo de vinhos como Itália e França – e sim, quem escolhe o vinho agora sou eu! Muito segura de mim, diga-se.
É essa segurança que só conhecimento traz que eu busco compartilhar no meu podcast, o Simples Vinho, nos meus cursos e palestras.
Qualquer um que já dedicou algum tempo a estudar sobre vinhos sabe que nem cinco vidas seriam suficientes pra saber tudo e que, portanto, ignorantes somos todos, em algum nível. E isso só pensando nos aspectos técnicos. Ainda tem a parte das histórias individuais de luta e coragem, as histórias coletivas e culturais que marcam civilizações, a química, a biologia, a psicologia, a filosofia… é disso que eu quero falar aqui.
Sejam então muito bem-vindos à coluna E PRA BEBER?
Onde, claro, vamos falar muito de vinhos mas também de outras bebidas e da maioria das coisas boas da vida.
Segundo definiu meu professor favorito: “sommeliers são profissionais especializados na arte do bem viver”. Tintim!
PS.: Preciso confessar que ainda me diverte sobremaneira o olhar atônito do sommelier quando, ao oferecer a taça ao homem da mesa para que prove e aprove o vinho, como mandava a etiqueta no século 18, a vê sendo repassada para mim. Uma pequena crueldade feminina num mundo ainda tão machista.

* Genoveze invertido -1: baseia-se no ensinamento de um ex-chefe (o Genoveze) sobre sua técnica de escolher sempre o vinho no topo da lista de vinhos a partir da premissa que os restaurantes chiques costumavam apresentar os vinhos em ordem decrescente de preços em suas cartas. Adaptamos a regra ao nosso poder aquisitivo, invertíamos a lista e pedíamos o segundo vinho mais barato da carta. Sim, engenheiros são terríveis e essa generalização é absurda (mas estatisticamente funciona bem!)
E que venham as histórias. Parabéns pela estreia!
Obrigada pelo carinho, Israel. Uma Fabi mais filosófica e menos barrinha de cereal na NASA por aqui 😉
Parabéns Fabiana, adorei! uma delícia essas histórias sobre o vinho que voce nos traz com tanta riqueza e elegância, nos podcasts e agora também através dessa coluna, sucesso!
Marcos, que delícia te ver por aqui também! Uma amizade querida que o Simples Vinho me trouxe. Adorei relembrar essa história também. Tintim!
Parabéns Fabi! Delícia te acompanhar e absorver um pouquinho do seu conhecimento. Sucesso!!!
Obrigada, Luciane. Um prazer!