Entrevista com chef
Esta semana, eu tive a honra de me encontrar com a Mara Salles lá no Tordesilhas. Há mais de seis meses a gente tentava agendar, até que deu certo.
Falou comigo com solicitude, bom humor e atenção, embora ela estivesse muito ocupada. Nos falamos no fim da tarde e Mara estrearia, logo mais à noite, novos itens no cardápio, então estava bem atribulada e com uma apreensão natural que ocorre mesmo com os mais experientes. Para mim, um privilégio.
Encontrei mais que a chef de cozinha Mara Salles, dos livros, palestras, participações em programas de TV e das pesquisas sobre comida brasileira. Foi a pessoa quem falou comigo. Isso é que foi bom porque eu gosto mais de entrevistar gente do que profissionais renomados.
Apesar de deixar claro que não trabalha sozinha, que sua família e equipe são indispensáveis para que o negócio seja bem sucedido e até, em determinado momento, confessar que pensa num sucessor para tocar o Tordesilhas “da família e de preferência jovem” (não agora, mas no futuro), ela é a alma do restaurante.
O Restaurante Tordesilhas completa 25 anos em 2015, um momento muito especial. Segundo Mara, ele é sólido, tem estrutura, mas ainda está em construção porque é assim que tem que ser: sempre aprendendo, se não, qual é a graça?
Entrevista com Mara Salles
Quais os elementos fundamentais para a composição de um cardápio ou de um menu?
Primeiro, uma coisa gostosa. É o gosto. Primeiro, a gente trabalha com o gosto. Uma coisa que alegre as pessoas. Não é uma coisa que tá na moda, que vai ser fácil, é uma coisa muito gostosa e que tenha viabilidade dentro da sua operação em todos os sentidos. Por exemplo, um prato que esteja complementando um buraquinho do cardápio… hoje estou entrando com uma lula no cardápio. Meu cardápio tinha bastante coisinha para petiscar, mas faltava um frutinho do mar, então, uma lula, batata doce…
O que torna a comida apetitosa de verdade?
Sempre tá na minha cabeça ‘eu ficaria feliz com isso, logo, meu cliente ficaria feliz com isso’. Uma coisa gostosa, me agrada, então pode e vai agradar o meu cliente. Coisas que tenham a ver com o momento, a época do ano, se inverno ou verão. O tempo muda radicalmente aqui no Brasil. Pra mim, a temperatura é, literalmente, um grande termômetro.
Tem essas duas coisas: uma coisa gostosa que mude de acordo com a estação – inverno/verão.
O que você gosta de comer? Você cozinha o que não gosta de comer?
Não. Não. Não. Primeiro que eu gosto de quase tudo, tudo o que é bom e acho que tudo é bom. Acho que vísceras de peixe, de bode é bom, jiló é bom, maxixe, quiabo. Quem perguntar: como é que se tira a baba do quiabo? Eu falo, mude de legume porque não tem sentido.
Eu gosto de tudo o que é comestível e acho que tudo pode ser bem feito. Eu cozinho porque eu gosto de comer sempre. Como se eu estivesse cozinhando para a pessoa que eu mais gosto. Particularmente, eu gosto bastante de mim, eu acho que sou uma pessoa bem bacaninha, então eu faço coisas gostosas pra mim também.
Sua atuação não se restringe a ser chef de cozinha no seu restaurante. Você leciona, ensina pessoas in loco, viaja para muitos lugares, participa de eventos, escreve livros, como dá conta de tudo?
É uma questão da estrutura. Eu tenho o grande privilégio de contar com a minha família em postos-chave. Por exemplo, meu irmão é o gerente do restaurante e também cuida da parte de suprimentos. Ele é um cara que não deixa faltar nada, da melhor qualidade, do jeito que eu gosto. É o cara que cuida também das finanças, então eu entrego pra Jesus (risos) e fico tranquila porque Jesus e ele estão ali.
Tem o meu marido que é um cara muito cabeça e que está ali pensando nos eventos, nos serviços, antenado com as tendências, o mercado. Ele cuida dessa parte.
Eu tenho uma equipe na cozinha muito boa. Que depende muito de mim, mas eles são muito craques, muito técnicos, muito bons.
Com toda essa retaguarda eu consigo tempo para me dedicar, mas eu trabalho bastante também. Trabalho em média 10 horas por dia. Mas eu tenho meu tempo, meu descanso. Gosto do meu descanso, de viajar principalmente pelo Brasil onde eu me divirto e pesquiso também.
Como é o seu processo de pesquisa?
A minha pesquisa sempre foi um pouco assim, meio farra, meio antropológica. Eu sempre fui assim meio farrista, eu vou entrando, vou me divertindo e vou aprendendo. Eu gosto muito do trabalho, eu gosto de ir descobrindo, se não tiver mais o que descobri não tem graça nenhuma.
Sobre o Tordesilhas
O Tordesilhas hoje é uma empresa na qual a minha presença é importante, mas ele funciona sem mim. Por um bom período, eu acho. Ele vai, tem fôlego, está crescido, tem 25 anos. Mas o problema é que eu não deixo, por nada nesse mundo. Eu invento história a todo momento. O Tordesilhas ainda está em construção.
E o lance é sempre comida brasileira?
Eu gosto de outras coisas, mas assim… só um pouquinho!
Serviço
Restaurante Tordesilhas – Alameda Tietê, 489 – Jardins – São Paulo / Telefone: 55 11 3107-7444