A conversa sobre Cuba (em especial sobre a capital Havana) será em capítulos porque o texto inicial ficou muito longo… seria cansativo demais para quem lê o blog. Para começar…
Um certo prefácio sobre o olhar de quem escreve a respeito de Cuba
Fui a Cuba na semana passada. Digo Cuba, mas, para ser sincera, fui a Havana. Depois, Silas e eu, nos estendemos até Varadero, por apenas dois dias para ver a água translúcida verde e azul do mar do Caribe.
Desejo antigo de estudante de jornalismo, desde os tempos que lia avidamente tudo o que podia sobre a Ditadura no Brasil, os anos 60, a revolução, o golpe e também sobre as guerrilhas na América Latina. Houve um período que tudo o que me caía nas mãos eram livros sobre o período difícil em que os militares tornaram-se o Governo do país.
Nessa época, li também sobre Cuba, sobre a revolução e sobre o socialismo. Era 1989 (já tinham passado 30 anos da deposição de Fulgencio Batista em Cuba), quando caiu o Muro de Berlim, e quando eu ainda bem imatura tentava entender o que era de verdade a tal guerra fria e o que era a mais-valia nas relações de produção. Tudo ao mesmo tempo.
Para quem não me conhece ou nada sabe sobre a minha história, que não é nada lá muito importante, eu estudei Comunicação Social e ao mesmo tempo cursei alguns anos na faculdade de Economia. Numa escola, que era pública, cursava Jornalismo, noutra, particular, Ciências Econômicas. Era uma verdadeira confusão, tanto para minha identidade estudantil como para os que gostavam (ou gostam) de rotular pessoas. Na faculdade de Economia, eu era tida como socialista, a leitora de Karl Marx; para os colegas do Jornalismo, eu tinha a cara da estagiária da Caixa Econômica Federal, era a que em alguns anos vestiria tailler como as economistas e devia defender o Imperialismo americano, já que meus colegas jornalistas, à época, não conheciam muito sobre os teóricos da Economia. Mas seria taxada de keynesiana, se conhecessem.
Contei sobre meu passado estudantil porque foi nessa época que comecei a lidar com as falácias sociais que, em virtude do pouco aprofundamento histórico muitas vezes determinam que uma coisa é boa e outra é ruim, e que sempre é bom aquilo que foi escolhido por mim, nunca o que o outro escolheu. Caminho do meio, então, esse não existe. Ou você está conosco ou está contra nós, essa é a regra.
Foi aí nesse tempo que aprendi a transitar entre as posições escolhidas pelas pessoas, sem deixar que elas me definissem como membro de seus grupos, apesar das nossas similaridades e dos anseios comuns muitas vezes. É que me importa demais a liberdade de pensamento (até bem mais que a de expressão), mais que uma possível proteção por fazer parte de um agrupamento. Talvez por isso, eu sempre me senti um pouco só, quase deslocada nos grupos, mas foi uma escolha minha. Eu não queria ser isso ou aquilo, eu queria pensar…
Havana, Cuba
Desse tempo pra cá, muitos anos se passaram, muitos valores foram revistos, questionados, reconstruídos. Outros se tornaram mais sólidos, fizeram cada vez mais sentido e me tornaram quem sou atualmente. O que, claro, é normal na vida de qualquer um.
Isto posto, no entanto, mesmo sem nunca ter sido socialista, a ida a Cuba era ainda um sonho meu, uma grande curiosidade e uma imagem construída a partir de uma ideologia de que toda e qualquer mudança para melhor se dá pela educação e pela igualdade de oportunidades. Eu queria ver um pouco disso lá…
Meu entusiasmo em chegar ao país de Fidel Castro era tamanho que, na semana anterior a minha viagem, pesquisei novamente a história, quis ler o livro A Ilha, de Fernando Morais, que foi uma grande referência sobre Cuba para o Brasil durante tanto tempo, e ainda é, uma vez que esteja contextualizado. Busquei informações sobre a comida, a bebida, o regime social, as relações de trabalho, enfim, queria chegar lá com algum arcabouço de ideias também já repaginadas e mais recentes sobre Cuba, a que já foi chamada de “pérola do Caribe”. Tudo isso só porque acho que, entre as coisas realmente boas de amadurecer, é que quando estamos mais velhos, vemos com mais clareza e decidimos com o cérebro pelo que queremos nos apaixonar, e não mais com o coração.
Uma das minhas leituras me levou a um país de 1978, ou seja, quase 20 anos depois da Revolução, que ocorreu em 1959. O livro de Jorge Escosteguy, Cuba Hoje, 20 Anos de Revolução, foi importante para que, a partir de uma visão quase jornalística do autor, eu pudesse contextualizar o caminho percorrido por Cuba, nesses agora 56 anos de regime socialista, embargos econômicos e com o mundo de costas para si.
Nem tantas diferenças assim
Quem grita nas ruas “vai pra Cuba!”, nesses dias de fúria capitalista anticorrupção ou antidemocrática (sei lá o que importa mais para as pessoas no Brasil), não deve nunca ter ido porque seus gritos estão cheios de preconceito. Talvez não saibam que lá é bem parecido com aqui. Só que não tem vitrines, nem grandes shoppings centers. Lá a lojinha de conveniência no posto de gasolina tem menos tridents, cokes e batatas pringles, é bem verdade. Mas isso faz falta pra quem?
Num dos dias da viagem, resolvemos andar a pé, rumo a Habana Vieja. A noite já caía e tinha chovido um pouco um tempo antes, as ruas estavam ainda com poças d’água. Nosso caminho passaria em frente à Universidade de Havana e conforme nos fomos aproximando de um dos prédios da faculdade, ouvíamos uma turba, no melhor dos sentidos da palavra turba, embalada num som eletrônico. Andamos um pouco mais rápido e já começamos a ver muitos, muitos jovens, rumo à balada que estava rolando logo ali num espaço público da universidade. Era um show de música eletrônica com um grande palco montado num gramado imenso de um estádio esportivo a céu aberto, no qual estavam milhares de pessoas dançando, se divertindo, bebendo, fumando, beijando na boca, paquerando. “Jovem é igual em todo lugar”, foi o que me disse o Silas.
Não tinha policiais armados, nem nenhum tipo de cobrança de ingresso, embora os estudantes apresentassem na entrada suas carteirinhas. Nós entramos na fila, perguntamos se podíamos entrar uma vez que não tínhamos carteirinha e nos foi dado acesso na mesma hora. O entretenimento era público e seguro. Sem violência.
Sem vitrines
Mas durante a viagem uma pergunta me veio muitas vezes à cabeça: como será que uma mulher se sente não tendo vitrines para olhar?
Ao contrário do meu imaginário do passado remoto, não havia entre aqueles jovens ninguém de uniforme do tipo camiseta branca e calça ou saia jeans, calçando tênis conga. As pessoas estavam vestidas com roupas coloridas, diferenciadas entre si. Elas têm tênis All Star ou Adidas, óculos e relógios da moda e gostam e usam maquiagem. Só que há menos ostentação baseada em consumo. São, contudo, pessoas perfumadas, isso se sente nas ruas quando passam.
Há diferenças, claro.Uma delas é que os homens dançam sem se envergonhar, porque naquela cultura isso é bonito e deve servir para atrair as mulheres, tanto quanto os carrões, motos, perfumes fortes e as roupas de grife que fazem dos machos brasileiros poderosos e atraentes para suas fêmeas.
Na TV, há videoclipes de música nacional e estrangeira, entre elas, com frequência, os hits da música pop americana. Chamou-me atenção num deles, um vídeo de música nacional, o mesmo machismo que vemos aqui nos das músicas sertanejas: mulheres expostas como objetos, insinuações e apelos eróticos exacerbados, quase pornográficos. Como no Brasil. A mesma, mesmíssima coisa.
Ao prestar atenção em algumas letras de música numa festa (quando estava na praia de Varadero) com ritmo bem caribenho, notei que a mulher brasileira também lá é vista como um objeto de uso masculino. Triste. Tanto lá, quanto aqui.
Ah! Mas como são musicais os cubanos… E não vivem só de Buena Vista Social Club, não. Tem muita gente lá fazendo música e ganhando montantes bem capitalistas de dinheiro com música latina sendo tocada por todo lado. Possivelmente, sendo exportada também.
Até no ônibus ouvimos tocar aquele ritmo muy calientee animado, bem caribenho, do tipo salsa e rumba. Música alta saindo pelas caixinhas de som do ônibus. Pareceu ser comum isso lá porque não havia qualquer estranhamento nas pessoas. Em todos os ônibus que estivemos, exceto no tourist bus (aquele de dois andares no qual você sobe e desce em pontos estratégicos para ver monumentos), sempre havia música, preferencialmente, a nacional.
E ao falar em ônibus… amanhã conto sobre o transporte em Havana. Algo bem peculiar!
Até amanhã.
Adorei seu texto. Quero muito conhecer Cuba.
Renata, é uma boa experiência. Tem que ir preparado! Valeu muito a pena ter ido.