Nessas férias, eu conclui a leitura de um livro indispensável para quem quer trabalhar com alimentação e precisa entender o que significa qualidade quando o assunto é comida de verdade.
Em seu segundo livro, Em Defesa da Comida – um manifesto, Michael Pollan, jornalista americano, trata do drama que vivemos nos últimos 50 anos, período que, gradativa e premeditadamente, a comida de verdade foi sendo substituída por nutrientes, que nem sabemos direito o que são.
Deixamos de comer frutas, verduras e legumes, plantados e colhidos no quintal; ovos de aves criadas num galinheiro conhecido e carnes de animais cuja engorda não foi feita apenas com ração, mas com restos de alimentos, para nos alimentarmos de cereais em caixinha como Sucrilhos; molho de tomate enlatado, presunto cozido e fatiado ou apresuntado, leite e queijos pasteurizados e que passaram pelo processo UHT. Tudo com muito conservante, corante, acidulante e outros mais, inclusive, reposição de nutrientes.
Passamos a contar as calorias, verificamos o quanto de sódio e glicose consta na tabela nutricional da embalagem e, dificilmente, somos capazes de pronunciar as palavras escritas nas caixinhas e saquinhos em letras bem miúdas, mas obrigatórias por lei, que existem com o intuito de “preservar” a saúde dos cidadãos. Informações técnicas, dados, números, percentagens e nomes científicos que ninguém entende.
Um bom exemplo para ilustrar o que acontece hoje em dia é o seguinte. Se você produz um queijo ou manteiga em casa do leite da sua fazenda ou sítio e vende para os vizinhos, está praticando economia informal. Não tem selo de procedência e qualidade. Nem segue os padrões rígidos de controle de qualidade exigidos por lei. Isso faz de você quase um criminoso, uma vez que pode contaminar irreparavelmente a saúde da sua comadre ou do seu compadre da casa em frente à sua.
No entanto, se compra margarina vegetal ou óleo de soja, se consome cereais daqueles que garantem que no próximo verão você poderá sair de biquini sem medo de mostrar o corpinho, aparentemente, está fazendo um bem para si mesmo e para sua família. Isso porque a indústria de alimentos no mundo, segue todas regras para garantir a produção, a distribuição e, claro, dos nutrientes necessários para fazer toda a sua família muito saudável.
Enquanto isso… cada vez mais pessoas, inclusive, crianças, são diagnosticadas com diabetes, altas taxas de colesterol ruim (LDL), triglicérides, gorduras no fígado, obesidade, e outras tantas doenças que não podemos taxativamente associar à alimentação, mas temos certa desconfiança que estão, sim, vinculadas ao que comemos. Exemplo: câncer e alzheimer.
Em defesa da comida de verdade
A gastronomia, meio sem querer, mas cada vez mais conscientemente, fala a língua da comida de verdade, e não apenas a dos nutrientes. Por princípio, ela é uma arte cujo resultado é a comida em si e o que está ao seu redor como a cultura, o ritual, o tempero regional, a diferenciação do paladar, e não apenas a nutrição.
Grandes chefs prezam alimentos de boa procedência, os mais naturais e frescos, de preferência colhidos no dia em que vão pra panela. Como isso é cada vez mais difícil, criam alternativas. Prova disso são os alimentos orgânicos, tão requisitados pelos chefs da alta gastronomia.
Se todos pudéssemos conhecer a procedência dos ingredientes, acompanhar a produção, trabalhar com ingredientes sazonais e, claro, ter preços razoáveis, nossa alimentação seria muito mais segura do que é hoje.
Acontece que nos últimos anos, nossas vidas foram muito facilitadas pelos supermercados. Isso é a mais pura verdade! Entramos no estabelecimento, puxamos um carrinho e colhemos de tudo em embalagens já porcionadas, provenientes de produtores que desconhecemos completamente mas que estão garantidos pela marca industrial que reconhecemos e, o que é mais grave, confiamos de olhos fechados.
Temos fé e certeza de que a nossa colheita feita nas gôndolas dos hipermercados, dos sacolões de grife e também aquelas que fazemos nas feiras livres é a melhor possível para nossa saúde. Diante do nosso cardápio de opções, é isso mesmo. Mas o que tem por detrás?
Produtos muito atrativos nos são ofertados diariamente, como grandes tomates, bem vermelhos e firmes. Ovos gigantes e bem limpos, de granjas cujas galinhas recebem ração ininterruptamente, dia e noite, para que botem sem cessar até que sejam rendidas pela idade e virem ração de outros bichos, vêm em caixinhas especiais associados à imagem de apresentadores de TV. As mesmas celebridades que entram nas nossas casas todos os dias nos ensinando a fazer comida.
Quem se sente no direito de achar que isso não é alimento de qualidade?
Michael Pollan e os pesquisadores de alimentos que ele pesquisou para poder compilar as informações constantes no manifesto Em Defesa da Comida se arriscam a ter esse direito.
Agronegócio
É bem nítido que o autor tem uma visão crítica à sociedade americana e à construção de suas políticas públicas que favoreceram as grandes indústrias. Mas não é preciso ser muito esperto para deduzir que essas políticas causam impacto direto no tipo de agricultura que países como o Brasil praticam. Grandes propriedades produtoras em larga escala de comodities exportáveis, como soja e milho. Depois de processados e industrializados, consequentemente, são distribuídos em todo o mundo por preços convidativos para o cidadão comum.
Não sei se tudo ou só isso é suficiente para reduzir drasticamente a agricultura familiar, a diversidade de produtos, o rodízio da terra e a manutenção da vida no campo. Sei que uma lista de bens de consumo é a paga certa para toda essa destruição social. Muitos bens de consumo cada vez mais uniformes provenientes de muito uso de tecnologia e defensivos agrícolas.
Sem fazer apologias, praticar dogmas culinários e avessa a qualquer tipo de extremismo quando se trata de comer, confesso que, no mínimo, fiquei mais ligada a partir dessa leitura. Mudou bastante a minha visão sobre o que escolher para levar boca adentro.
O apelo do consumo é muito forte, o que torna quase impossível abandonar de vez hábitos tão arraigados e facilidades tão à mão por preços tão camaradas. Isso nos faz comer muito e mal. Devíamos comer menos com mais qualidade. Isso é o que prega também o movimento Slow Food. Dia desses trato disso por aqui.
Embora eu já tenha passado a questionar muito o que como, ainda estou longe léguas de deixar de comer farinha branca, açúcar refinado, margarina, óleo de soja, de milho ou de canola…
Livrar-se de vícios permitidos e que nos são vendidos sob o rótulo de “abra a felicidade”, como o dos refrigerantes, ou deixar de por na lancheira de nossos pequenos os biscoitos vitaminados com carinhas de traquinagem e diversão, exigem decisão acirrada. Quem decide, enfrenta abstinência, o que não é fácil, e, mais que isso, toda uma sociedade muito contaminada pelo consumo. De uma hora para outra você pode ser visto como um indivíduo eco-chato extremista e radical! Tenha cuidado. Eu sei que tem coisa pior no mundo, mas os naturebas, muitas vezes, disputam pau a pau com os eco-chatos. Sabe do que estou falando? Então se previna, mas tome uma atitude.
Publicado em 2008, mas ainda muito pertinente e atual, Em Defesa da Comida, de Michael Pollan, é uma boa chance para fazer pensar. Um livro bom para abrir os olhos e ensinar o que significam, de fato, as letras miúdas e as palavras difíceis das embalagens. Não comemos nutrientes, comemos comida.
A partir disso, estou até pensando em plantar uns legumes sem agrotóxicos no quintal da minha mãe lá em Itu. Se der certo, prometo que divido a experiência.
No mais, que tal, tomar a decisão de ler o primeiro livro deste ano? Essa é uma boa sugestão.
Depois desse o autor já lançou outros vários.
Até mais.
Serviço:
Título: Em defesa da comida – Ano 2008
Autor: Michael Pollan – tradutora: Adalgisa Campos da Silva
Editora Intrínseca
Preço médio: R$ 29,00